Thursday, May 24, 2007


PROJETO INSISTENTE



A oitava versão do projeto de lei sobre crimes virtuais do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) que iria ser votada nesta quarta-feira (23/05), na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, entrará na próxima pauta, semana que vem. Se aprovado nessa Comissão, o projeto ainda precisa ser aprovado no plenário do Senado Federal e terá que passar por votações no plenário da Câmara dos Deputados.

A nova proposta sofreu mais de 40 outras modificações e já não contém mais a exigência do cadastro obrigatório de usuários da rede, que tanta (e justa) polêmica provocou no final do ano passado. Porém, passa a obrigar os provedores a encaminhar denúncias, de maneira sigilosa, às autoridades, sobre possíveis condutas ilegais de usuários sob sua responsabilidade – o que, para o assessor técnico de Azeredo e responsável pela redação do projeto, José Henrique Portugal, "trata-se de tornar oficiais práticas que já são adotadas pelos bons provedores".

Bons provedores? Condutas ilegais? Não está faltando um pouco de informações, de especificações e até mesmo de satisfação aos criminosos em potencial – no caso os internautas e os empresários do setor? Só o Código Penal e a legislação brasileira definem mais de 600 condutas como crime. Além disso, ainda não há definição do marco regulatório da Internet no Brasil – é colocar o carro na frente dos bois.

Em reportagem publicada na UOL, o coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RJ, Ronaldo Lemos, classificou o impacto do projeto nesta nova versão como "devastador", já que "o empresário do setor ficará desestimulado a tentar criar alguma coisa nova, por receio de violar a lei e de ter que arcar, não só com responsabilidades civis, mas também com sanções criminais e penais". Isso, ainda segundo Lemos, "causará estagnação no mercado de Internet e de tecnologia no país".

Depois da audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmera Federal, em novembro do ano passado, tanto o projeto como o senador receberam uma chuva de críticas vindas de todos os lados, através da mídia. Por isso, ele reduziu o grupo que o discutia, de cerca de 50 para 6 pessoas. Simples assim. Fez as modificações que achou conveniente, sem rediscutir o projeto com a sociedade. Tanto é assim que nem o presidente da Associação Brasileira de Provedores de Internet (Abranet), Eduardo Parajo, teve acesso ao substitutivo.

A Abranet, por sua vez, já enviou ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (órgão misto, com representantes do governo, de empresas e da sociedade, responsável pela administração e organização da rede mundial de computadores no Brasil) uma proposta de código de conduta a ser adotado pelos operadores de redes e prestadores de serviços de Internet no país. O documento exige, entre outras coisas, que os provedores signatários não promovam práticas contrárias à legislação nem incitem violência, preconceitos ou pornografia infantil, e estabelece regras para a coleta de dados, como a necessidade de autorização prévia por parte dos usuários, e de políticas de privacidade.

O código de conduta da Abranet prevê, ainda, a manutenção de registros de acesso dos usuários, por três anos, nos provedores. Eles parecem ter cedido neste quesito, porque sabem que estes dados são muito importantes para que se chegue a criminosos que tenham praticados graves crimes pela internet. Porém, já avisaram que o custo é alto. Quem é que vai pagar a conta? Mas não é só isso. Por seu lado, o projeto do senador Azeredo estabelece que o provedor estará sujeito a pagar multas, entre R$ 2 mil e R$ 100 mil, caso não atenda às obrigações de manter ou fornecer os dados sobre seus usuários que forem solicitados pela Justiça.

Segundo Parajo, o código de ética que a entidade tem redigido nos últimos quatro meses e a legislação existente já seriam suficientes para trazer segurança ao usuário de Internet no Brasil. Entretanto, para Thiago Tavares, presidente da SaferNet Brasil, organização não-governamental responsável pela central nacional de denúncias de crimes cibernéticos, ainda seria cedo para saber se o código de ética seria capaz de, sozinho, combater o cibercrime. Segundo ele, e isso é óbvio, "vai depender de quantas empresas vão respeitar o código", principalmente no tocante à manutenção dos registros de acesso para que "os crimes não fiquem impunes e as investigações prejudicadas."

Um outro ponto do projeto do senador Azeredo que devesse gerar polêmica, mas que fica prejudicado pela linguagem legal e legislativa em que se dá, é a criação de um artigo no Código Penal que passasse a equiparar dados digitais a "coisas" -. artifício utilizado para dar efeito legal à suposição de que um determinado bem imaterial seja considerado como um bem material, como acontece na legislação dos direitos autorais. O que equivaleria a transformar, por exemplo, o ato de baixar dados da internet (filmes, músicas, etc.) em crime. Um retrocesso, justamente em tempo que as gravadoras estudam fórmulas para resolver este problema de outras formas.

Fazer dos provedores de internet arapongas do Estado não tem graça nenhuma, nem para eles, que não querem assumir esse papel e essa responsabilidade, nem para os usuários. Se um usuário enviasse e-mails aos seus contatos falando mal – ou divulgando informações que não possam ser provadas – de determinada pessoa ou do governo, poderia ele ser enquadrado criminalmente, por exemplo? Afinal, e-mails não seriam correspondência privada? Publicar alguma coisa em páginas da internet é uma coisa, mandar e-mails é outra. E aí? A pessoa poderia ser denunciada, investigada, presa ou qualquer coisa parecida por emitir opiniões particulares à sua lista de contatos?

Que ninguém tem mais privacidade nesse país, todo mundo está cansado de saber. Esse mal não atinge somente os brasileiros – é regra mundial. Se você realmente tiver um segredo ou uma informação muito importante e sigilosa, terá que agir, para repassá-la, como se estivesse na Idade da Pedra – homem a homem, olho no olho, e em lugar onde tiver absoluta certeza de que não poderá ser ouvido ou filmado. O problema com o projeto do senador Azeredo, portanto, não é esse. É justamente fornecer condições legais para que o material recolhido pela vigilância venha a servir como prova para incriminar pessoas. Isso é o que não pode tornar-se realidade.

Se a Polícia descobrir algum pedófilo na rede, mesmo que por vigilância indevida, ela que vá investigá-lo e arranjar um jeito de pegar o criminoso em ação, para prendê-lo. O que não pode é que uma pessoa vá para a cadeia pelo conteúdo dos e-mails que envia para sua lista de contatos. Muitas das melhores revelações investigativas dos jornalistas, por exemplo, saíram de suspeitas levantadas e denúncias feitas por e-mail. O que propõe o projeto do senador Azeredo não é somente vigilância sobre o crime, é invasão total e descarada de privacidade. Censura descabida ao último reduto de circulação de verdades neste país. Não é a toa que o texto do projeto propõe que crimes como calúnia, difamação e injúria passem a ter a ter pena elevada em dois terços caso cometidos por meios informáticos.

O problema, senador, é que no Brasil, calúnia, por exemplo, há muito tempo deixou de significar mentira, passando, isto sim, a se tratar de algo que não se possa provar concretamente – o que, aqui neste país, infelizmente, em um número cada vez maior de casos, passou a significar exclusivamente a confissão assinada de culpa do "caluniado". Além do mais, caberia à vítima processar o suposto caluniador e não ao provedor, por assim dizer, "alcagüetar" o crime ou o criminoso às autoridades.

A nova proposta define ainda o mecanismo de "legítima defesa" na Internet, dando amparo legal para que profissionais ou empresas de segurança de informações façam a interceptação de dados ou até mesmo invadam outras redes, em nome da legítima defesa. O texto isenta de punição, por exemplo, profissionais de segurança da informação que realizem "phishing" (roubo de senha), "testem" códigos maliciosos e acessem redes, sem autorização, em caso de defesa digital ou de contra-ataques. Mas, os meros mortais como nós poderemos pegar de 1 a 5 anos de prisão se fizermos as mesmas coisas. Isso sem falar que os tais profissionais de segurança estariam autorizados a fazer justiça com as próprias mãos, já que, em tese, quando notarem que sua rede corre risco podem atacar seu algoz e alegar legítima defesa.

Ora, as leis em vigor no Brasil já compreendem crimes virtuais identificados na Convenção de Budapeste (acordo entre 43 países para combater o cibercrime), como acesso ilegal a sistemas, interferência sobre dados armazenados, falsificação de sistemas, quebra de integridade de dados, fraudes em sistemas informatizados - com ou sem ganho econômico -, pornografia infantil ou pedofilia, quebra de direitos autorais, tentativas ou ajuda a condutas criminosas, entre outros. Embora crimes como falsificação de cartões de crédito e de aparelhos de telefone celular e obtenção não-autorizada de dados não estejam nominalmente tipificados na legislação brasileira, há os correspondentes legais que têm sido aceitos para indiciar, processar e apenar criminosos. No máximo, poder-se-ia fazer algumas pequenas modificações legislativas.

Entretanto, a questão principal do projeto de Azeredo, ao que parece, continua a ser a vigilância e o cerceamento da liberdade de expressão dos internautas. Há limites para que os justos se conformem em ter que pagar pelos pecadores em nome da segurança, do bem comum, ou de seja já do que for. As pessoas direitas já não suportam mais a submissão a todo o tipo de vigilância, cerceamento e humilhações por causa de minorias criminosas. Parece até mesmo que "forças ocultas" desejem que se chegue ao ponto em que a única arma dos homens de bem, para viver em paz e em liberdade, seja a de fogo. Inimaginável e decepcionante que estejamos inaugurando o século XXI desta maneira.

Christina Fontenelle
24/05/2007
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